terça-feira, 10 de junho de 2014

A CULTURA E A MEMÓRIA DAS SOCIEDADES IORUBANAS

    A cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo, é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças, é também todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente.

    Cultura é o conjunto de práticas, de técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para garantir a convivência social. Os velhos são os depositários da cultura viva do povo e a convivência com eles é a única maneira de aprender o que eles sabem. Os velhos são os sábios e a vida comunitária depende decisivamente de seu saber, de seus mistérios. O ancião detém o segredo da tradição. Sua palavra é sagrada, pois é a única fonte de verdade.

    Os iorubás só conheceram a escrita com a chegada dos europeus. Assim, todo o conhecimento tradicional baseia-se na oralidade. Mitos, fórmulas rituais, louvações, genealogias, provérbios, receitas medicinais, encantamentos, classificações botânicas e zoológicas, tudo é memorizado. Tudo se aprende por repetição, e a figura do mestre, acompanha, por muito tempo a vida dos aprendizes. 

    Segundo Jacques Le Goff, a memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedades que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passados. A forma de maior interesse para os historiadores é a memória coletiva, composta pelas lembranças vividas pelo individuo ou que lhe foram passadas, mas que não lhe pertencem somente, e são entendidas como propriedade de uma comunidade, ou grupo. 

    Nas sociedades sem escrita atitude de lembrar é constante, e a memória coletiva confunde história e mito. Para os iorubás e outros povos africanos, antes do contato com a cultura europeia, os acontecimentos do passado estão vivos nos mitos, que falam de grandes acontecimentos, atos heroicos, descobertas e toda sorte de eventos dos quais a vida presente seria a continuação. Ao contrário da narrativa histórica, os mitos nem são datados nem mostram coerência entre si, não existindo nenhuma possibilidade de julgar se um mito é mais verossímil, digamos, do que outro.

                      

    A memória coletiva fundamenta a própria identidade do grupo ou comunidade, mas normalmente tende a se apegar a um acontecimento considerado fundador simplificando todo o restante do passado. Por outro lado ela também simplifica a noção de tempo, fazendo apenas grandes diferenciações entre o passado (“nossos dias”) e o passado (“antigamente”, por exemplo). Cada mito atende a uma necessidade de explicação tópica e justifica fatos e crenças que compõem a existência de quem o cultiva, o que não impede de haver versões conflitantes quando os fatos e interesses a justificar são diferentes. O mito fala do passado remoto que explica a vida no presente. O tempo mítico é apenas o passado distante, e fatos separados por um intervalo de tempo muito grande podem ser apresentados nos mitos como ocorrências de uma mesma época, concomitantes. 

    Esse passado remoto, de narrativa mítica, é coletivo e fala do povo como um todo. Passado de geração a geração, por meio da oralidade, é ele que dá o sentido geral da vida para todos e fornece a identidade grupal e os valores e normas essenciais para a ação naquela sociedade, confundindo-se plenamente com a religião. O tempo cíclico é o tempo da natureza, o tempo reversível, e também o tempo da memória, que não se perde, mas se repõe. O tempo do mito e o tempo da memória descrevem um mesmo movimento de reposição: sai do presente, vai para o passado e volta ao presente - não há futuro.

    A religião é a ritualização dessa memória, desse tempo cíclico, ou seja, a representação no presente, através de símbolos e encenações ritualizadas, desse passado que garante a identidade do grupo - quem somos, de onde viemos, para onde vamos? É o tempo da tradição, da não-mudança, tempo da religião, a religião como fonte de identidade que reitera no cotidiano a memória ancestral.

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